Pacote tributário da OCDE ainda causa insegurança

Pacote tributário do organismo internacional está pouco a pouco sendo adotado no Brasil, mas ainda não se sabe até que ponto a Receita Federal atenderá às regras.

O Brasil ainda não definiu se adotará integralmente o plano de combate à evasão fiscal promovido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Para especialistas, isso aumenta a insegurança jurídica e prejudica os investimentos no País.

De acordo com o sócio da área tributária do Siqueira Castro Advogados, Daniel Clarcke, as empresas ainda não sabem como o Brasil vai disciplinar o programa. “Em 2013 [no lançamento do programa], ainda havia margem para discussão. Mas agora a OCDE aprovou suas orientações e ficou uma situação de incerteza, porque os países vão ter que incorporar essas ações em suas leis”, diz.

O Plano de Erosão de base e Transferência de Lucros (Beps, na sigla em inglês) prevê 15 medidas que tentam manter a tributação das empresas coerente com o local de origem e de atuação delas. Um dos objetivos do programa é evitar que empresas se insiram em outros países apenas para aproveitarem benefícios fiscais. “O Google colocou dados na Irlanda para não ser tributado nos Estados Unidos, sendo que não existia consistência na operação na Irlanda. É esse tipo de atitude que o plano da OCDE pretende evitar”, aponta o sócio do segmento tributário do Fraga, Bekierman e Cristiano Advogados, Roberto Bekierman.

Clarcke ressalta que algumas ações já saíram do papel ou estão em vias de adoção pelo Brasil, mas questões como a tributação na economia digital, a caracterização de Estabelecimento Permanente e a análise de acordos de bitributação ainda estão muito atrasadas. na visão dele, tudo isso prejudica as decisões de investimento do empresário brasileiro. “No Brasil a insegurança é maior, porque não seguimos totalmente as regras da OCDE sobre tributação internacional”, observa.

De acordo com especialistas, a atual crise econômica piora a situação do País, visto que as companhias ainda estão cautelosas em fazer grandes projetos nacionais, e com a insegurança jurídica que gira em torno do Beps, mesmo os investimentos externos se tornam incertos.

“O custo de compliance das empresas com atuação internacional vai aumentar por causa das obrigações acessórias. As multinacionais tanto daqui como do exterior vão ter que se concentrar apenas em negócios apoiados em razões comerciais válidas”, avalia Clarcke.

Os próprios acordos de bitributação que o País tem com 33 nações estão ameaçados, na opinião de Roberto Bekierman. “A antiguidades desses contratos, aliada ao fato de não terem sido revisados ainda, torna provável alguma modificação no futuro para que eles fiquem de acordo com o que quer a OCDE”, afirma o especialista.

Enquanto isso, o fisco dá sinais de que pretende regulamentar aos poucos as 15 ações do Beps. A Instrução Normativa 1.681/2016 da Receita Federal, que implementa as orientações da Ação 13, por exemplo, obriga algumas empresas a fazer um relatório anual com informações e indicadores nos países em que tiverem presença. “Uma multinacional com controle no Brasil vai ter que trazer uma série de informações sobre lucro ou prejuízo fiscal em cada um dos países [em que atua]. A empresa mandará isso para o fisco, que vai trocar a informação com outros países”, explica Daniel Clarcke. Como consequência haverá um custo maior de compliance e aumentará a complexidade de algumas declarações de imposto, acrescenta.

Mudanças

Além disso, a insegurança por causa do momento de transição para as regras do Beps não é exclusividade daqui. Os países que fazem parte da OCDE e outros membros do G-20 (Grupo das 20 maiores economias do mundo mais a União Europeia) que se comprometeram a adotar o plano também estão em fase de internalizar as novas regras. “Possibilidades de investimento no exterior podem ser revistas. Uma empresa que possui uma holding em uma jurisdição que possui uma baixa carga tributária pode perder esse benefício fiscal”, comenta Clarcke.

Segundo o sócio do Andrade Maia, Leonardo Aguirra de Andrade, a iniciativa é boa, mas alguns cuidados precisam ser tomados. Ele cita como exemplo negativo a Medida Provisória 685/15, que tinha como objetivo criar a declaração de planejamento tributário, objeto das recomendações da Ação 12 do Beps. A norma causou polêmica quando foi anunciada, e acabou sendo derrubada no Congresso. Na opinião do advogado, a MP não foi convertida em lei por conter diversas incompatibilidades com o ordenamento jurídico brasileiro. “Muitas vezes, a importação das recomendações e critérios internacionais de maneira acrítica, sem levar em considerar os limites e as peculiaridades do ordenamento brasileiro, é temerária” avisa o especialista do Andrade Maia.

Para Clarcke, a confusão que foi gerada em cima da MP é uma prova da dificuldade que o País terá para regulamentar o plano da OCDE. “O governo tentou se alinhar com a Ação 12 do Beps e não conseguiu. Outros países já internalizaram isso”, expressa.

Bekierman lembra que essa não foi a primeira vez que o governo tentou adotar uma medida contra a evasão fiscal e encontrou resistência. “Em 2001, antes mesmo da criação do Beps, a MP 2.158 definiu que os lucros da empresa estrangeira controlada por brasileira devem ser tributados no Brasil. Isso foi muito disputado e teve que ser resolvido pelo Supremo [Tribunal Federal]”, ressalta.

No Judiciário, a questão foi modulada e mais tarde foi convertida na Lei 12.973/2014, mas o advogado chama atenção para o tempo que levou para que a legislação passasse a valer. “De 2001 a 2014, ficamos com um vácuo jurídico. Isso é um risco para as ações do Beps.”

Sem contrapartida

Aguirra de Andrade também critica o fato do Beps cobrar muito das empresas em termos de compliance e transparência e deixar o governo e a Receita sem qualquer forma de contrapartida. “Há, no fundo, uma motivação arrecadatória, o que é bastante preocupante em um cenário de crise econômica e queda de arrecadação. Os fiscos de cada país tendem a exigir uma maior transparência por parte dos contribuintes, mas eles próprios não são transparentes. Ou seja, trata-se de uma transparência fiscal de mão única, apenas para o contribuinte e às custas do contribuinte”, dispara.

O advogado defende que as empresas fiquem atentas às modificações promovidas pela Receita na legislação tributária por conta do Beps. “Os empresários devem examinar se as novidades legislativas ferem garantias constitucionais ou estão em desconformidade com as regras do Direito Tributário brasileiro”, conta ele.

Essa brecha para que as companhias entrem com processos advém da própria natureza do direito tributário brasileiro, conforme destaca Roberto Bekierman. “O direito tributário é regido pelo princípio da legalidade, assim como o direito penal”. O especialista lembra que esse princípio garante que o contribuinte não tenha nenhuma obrigação para além do que está escrito na lei, e reforça: instrução normativa não possui a mesma força de uma lei.

 

Fonte: DCI – Diário Comércio Indústria & Serviços

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